23/03/2018 08h08 – Atualizado em 23/03/2018 08h08
Maus sentimentos e toneladas de lama tóxica
Por Marina Amaral, co-diretora da Agência Pública
Enquanto os ministros da mais alta instância da Justiça no país acusam-se mutuamente de decidirem questões judiciais movidos por interesses particulares e se engalfinham sobre a prisão em segunda instância, mais de um terço dos presos – 220 mil pessoas – do país se amontoam nos presídios sem sequer terem sido condenados. Quem se importa? Ao que tudo indica não era esse o tema da conversa particular entre o presidente Temer e a ministra Cármen Lúcia.
Uma semana depois do assassinato de Marielle – crime que parece longe de ser esclarecido apesar da comoção geral – três mulheres denunciaram estar sofrendo ameaças de morte em outro ponto do país: Barcarena, Pará. Não saiu na grande imprensa. Maria do Socorro, Ludmilla e Maria Salestiana Cardoso disseram à repórter Catarina Barbosa, do site Amazônia Real, que as ameaças estão relacionadas aos protestos constantes que fazem contra a mineradora norueguesa Hydro Alunorte. Desde 2009, quando a mineradora ainda pertencia à Vale S.A – aquela do acidente em Mariana, ainda impune – as comunidades se queixam do impacto da mineração e chegaram entrar com duas ações na Justiça. Nada foi feito.
Em fevereiro passado, lagos e poços das comunidades de Barcarena foram contaminados por lama vermelha com resíduos tóxicos da exploração de bauxita. A Hydro, mineradora que tem como acionista o governo da Noruega – o maior doador da Fundo Amazônia – se desculpou com a comunidade mas só reconheceu sua responsabilidade pelo vazamento, um mês depois, em 18 de março passado, como nos relatou o jornalista Lúcio Flávio.
Maria do Socorro é presidente da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama) que representa 112 comunidades tradicionais que também sofrem com invasões e conflitos fundiários. Dois membros da associação foram assassinados recentemente: Paulo Sérgio Almeida Nascimento, morto com 4 tiros na semana passada, e Fernando Pereira, também alvejado, em 22 de dezembro passado. Há suspeitas de envolvimento de policiais militares nos crimes e nas ameaças às mulheres. Ludmilla, que teve a casa apedrejada depois de dar entrevistas sobre a lama tóxica, não teve coragem de fazer o B.O. “Não confio na polícia, não confio no governo do Estado”, disse.
Não se tem notícias da investigação sobre os mandantes dos crimes contra os membros da Cainquiama. Mortes no campo são rotina no país assim como o assassinato de jovens negros nas áreas pobres das grandes cidades como denunciava Marielle. Certo é que nesses casos a omissão do Estado, sobretudo do Judiciário, e a ação de quadrilhas – formadas por policiais – são ingredientes em comum. A principal descoberta divulgada até agora sobre a execução de Marielle é que a munição é do mesmo lote da Polícia Federal que foi utilizada em uma chacina em Osasco, São Paulo. Coincidência de arrepiar.