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domingo, 24 de novembro de 2024

Bolsonaro é um ‘populista perigoso’, diz professor de Stanford

04/11/2017 13h35 – Atualizado em 04/11/2017 13h35

Bolsonaro é um ‘populista perigoso’, diz professor de Stanford

Cientista político, que criou aula específica em que aborda o populismo no seu curso sobre democracia, é um defensor intransigente da Lava-Jato

Por Guilherme Amado

Francis Fukuyama está preocupado com o Brasil. O cientista político, professor da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, e um dos mais célebres intelectuais de sua geração, incluiu o Brasil no rol dos países em que ele vê o risco da ascensão de um representante do que chama de “Internacional Populista”: políticos de extrema-direita com pouco ou nenhum apreço pela democracia e que seduzem o eleitorado com promessas fáceis para problemas complexos.

O impacto das descobertas da Lava-Jato sobre a contaminação do sistema político, diz Fukuyama, pode levar os eleitores brasileiros a optarem por alguém que prometa ter mão de ferro contra a corrupção. Na semana passada, Jair Bolsonaro, o intrépido deputado do PSC do Rio de Janeiro, tornou-se um dos personagens sobre quem Fukuyama discorre na nova aula sobre populismo que, em tempos de Donald Trump, decidiu incluir em seu tradicional curso sobre democracia. Um dos expoentes do pensamento conservador, o professor é enfático sobre Bolsonaro: “Seria um grande desastre se ele fosse eleito. Ele parece ser um populista genuinamente perigoso”.

Em entrevista ao GLOBO, em sua sala no Centro de Democracia, Desenvolvimento e Estado de Direito, que dirige, em Stanford, Fukuyama criticou a proteção do Congresso a Michel Temer, lamentou a falta de protestos contra a corrupção este ano no Brasil, nos mesmos moldes dos que ocorreram em 2015 e em 2016, e, aos descrentes sobre o futuro da democracia, fez um alerta: “As pessoas precisam entender que a democracia depende delas. Precisam sair às ruas, protestar contra a corrupção e se insurgir contra o populismo”.

Perto de se completarem quatro anos de Lava-Jato, qual sua visão sobre a operação?

Eu tenho sido em geral muito mais positivo sobre a operação do que alguns brasileiros e mesmo observadores internacionais porque sei que não há muitos países com Judiciários que consigam fazer a lei valer para todos. Na América Latina, isso tem sido especialmente problemático. No Brasil, agora parece que todo mundo é corrupto. Não acredito que isso seja algo novo. Acho que sempre foi desse jeito. Pelo menos, agora você tem um sistema judiciário que está colocando alguns deles na cadeia. E você tem a imprensa livre, que está fazendo um trabalho muito bom, expondo a corrupção e apoiando o sistema judicial. Eu tenho conhecimento das acusações que políticos da direita e da esquerda fazem contra o Judiciário, dizendo que há razões políticas por trás das acusações. E sei que há críticas por influência política no Judiciário e por terem deixado Michel Temer (no cargo). Mas tudo é relativo e, em relação ao padrão predominante na América Latina, é bom o Brasil ter feito o que fez. O que eu considero perigoso é que foi revelado um nível tão grande de corrupção que todos vão ficando cínicos e podem pensar que não há como fazer a lei valer para todos e que é necessária uma solução populista para acabar com o sistema e recomeçar tudo. Isso é muito perigoso.

Mas o mesmo país que produziu a Lava-Jato tem uma corte eleitoral que ignorou provas e absolveu o presidente e sua antecessora da acusação de financiamento ilegal na eleição de 2014 e um Congresso que protegeu durante duas vezes o presidente de acusações de corrupção. Esses recuos significam que políticos estão conseguindo interromper as mudanças?

Esses fatos constroem a narrativa de que o Judiciário tem uma atuação política, e isso é perigoso, porque a Justiça só funciona se as pessoas acreditarem que ela é imparcial. Eu entendo o cálculo de muitas pessoas da direita e de observadores internacionais de que Michel Temer está fazendo reformas importantes e que, se ele for para a cadeia, todo o sistema vai parar, nada mudará e não haverá progresso. Essas pessoas estão dispostas a aceitar, portanto, a falta de prestação de contas de um governante. Eu não acho que esse raciocínio seja bom, porque é preciso que o Judiciário seja visto como imparcial e acredito que absolvê-lo mine essa sensação.

Na introdução do seu último livro (“Political order and political decay”, ainda não lançado no Brasil), o senhor descreve os protestos de junho de 2013 como manifestações anticorrupção e por melhores serviços básicos. De lá para cá, tivemos protestos de massa em 2015 e em 2016, em parte contra a corrupção, em parte contra o PT. Entretanto, não houve grandes protestos em 2017, quando os escândalos atingiram o PSDB e o PMDB. Por quê?

Isso é muito ruim. Quando os protestos começaram, contra corrupção e por melhores serviços públicos, ganharam publicidade e passaram a ser vistos como protestos contra Dilma Rousseff e contra Lula. Isso foi muito ruim porque, se o foco tivesse continuado a ser contra a corrupção, brasileiros de diferentes posições no espectro ideológico estariam dispostos a apoiar. Uma vez que se tornou uma questão ideológica de direita e esquerda, você retomou a antiga divisão ideológica brasileira. Por isso também é ruim você não ter mais políticos de direita sendo presos, como o atual presidente, ou pelo menos o processo contra ele prosseguindo, porque teria tornado tudo mais equilibrado e deixado claro que isso não é contra um partido, mas contra toda a classe política envolvida em corrupção.

A última pesquisa presidencial no Brasil (do Ibope, publicada no último domingo) mostrou Lula à frente das pesquisas, com 35%, e Jair Bolsonaro em segundo lugar, com 13%. Como o senhor vê essa previsão?

O mais problemático é o apoio a Bolsonaro. Ele parece ser um populista genuinamente perigoso. Seu histórico mostra que ele não defende a democracia e que está usando esta oportunidade para tomar o poder. Seria um grande desastre se ele fosse eleito. Mas acho que isso reflete um crescente cinismo em todo o espectro eleitoral de que todos os políticos são ruins e de que você precisa de uma figura forte que vai consertar todos esses problemas. Isso nunca funciona. Se você opta por políticas de mão de ferro, você acaba numa ditadura e em violações de direitos humanos. O Brasil não precisa desse recuo. O país já teve uma experiência dessas quando os militares comandavam o país, e não acho que ajude voltar a esse tipo de governo.

E Lula, mesmo condenado por corrupção, em primeiro lugar?

É muito ruim, porque de novo é a ideologia prevalecendo sobre o combate à corrupção. Seus eleitores querem protegê-lo porque ele é visto como tendo sido bom para os pobres. É compreensível. Mas o Brasil precisa se tornar capaz de processar uma pessoa que, embora tenha beneficiado os pobres e criado programas sociais, violou as leis.

Por que o populismo está florescendo especialmente nesta segunda década do século XXI?

É diferente em diferentes partes do mundo. O populismo na América Latina é diferente do populismo europeu. Na Europa, é baseado naquela classe média que sofre com a globalização e com a perda de empregos. Na América Latina, o populismo é baseado nos pobres, que basicamente querem um governo forte que possa dar serviços sociais e benefícios. Isso explica (Hugo) Chávez, (Rafael) Correa e Evo Morales. Bolsonaro é um pouco mais complicado, porque ele vem num período em que o populismo de esquerda está em declínio na América Latina. Ele obviamente é um homem da direita. É um novo fenômeno, que remonta aos anos 1960, ao desejo de políticas de um punho de ferro. Vamos ver se é uma tendência ou não, porque o fato de ele conseguir 13% nas pesquisas não significa que ele será eleito.

O que falta ao Brasil em termos de políticas anticorrupção?

Uma grande mudança no sistema eleitoral, porque o tipo de representação
proporcional que permite que um partido como o PMDB possa ter tantas cadeiras ocupadas por indivíduos sem plataformas partidárias, mas que atuam como agentes livres que sempre precisam receber algum tipo de dinheiro ou favor para que votem com o governo. O sistema precisa diminuir o número de partidos e ter uma disciplina partidária maior, reduzindo os incentivos atuais para os diferentes tipos de compra de votos de parlamentares. A Itália fez um pouco isso. Era um governo instável, porque era difícil construir uma coalizão. Uma das coisas que (Mateo) Renzi estava tentando fazer era mudar o sistema político para criar uma maioria mais ampla para que você pudesse ter um grande partido governista. Não sei se o Brasil conseguiria fazer isso porque o sistema é muito dividido, mas vocês podem mudar as leis eleitorais para encorajar a formação de dois, três ou quatro grandes partidos para formar coalizões estáveis. Isso acima de tudo reduziria os incentivos para a corrupção no Congresso. Além disso, vocês precisam de uma mudança geracional na classe política, com accountability eleitoral e judicial que permita substituir a geração atual por pessoas novas com novas atitudes em relação ao serviço público.

Mas e quando até o presidente é denunciado por corrupção, o que a sociedade pode fazer?

É o que já está acontecendo até agora. A liderança não tem que vir do presidente. Há a sociedade civil, há a mídia apoiando as mudanças. Uma agenda que inclui reforma eleitoral, a blindagem do Judiciário contra influência política, a profissionalização do serviço público. Tudo isso faz parte de um pacote reformista e a sociedade precisa desenvolver apoio social para isso.

Em que medida existe uma ligação entre populistas pelo mundo?

Há algumas ligações entre o populismo europeu e o entorno de Trump. (Vladimir) Putin deu um empréstimo para Marine Le Pen (da Frente Nacional, da extrema direita francesa). Ela conversa com o holandês Geert Wilders (do Partido para a Liberdade, de extrema direita). Trump gosta de Nigel Farage (ex-líder do Partido da Independência do Reino Unido, de extrema direita). Steve Bannon (ex-estrategista de Trump) gosta de todos eles. Eles se falam, compartilham experiências. Há uma “Populista Internacional” em atuação hoje, o que torna tudo ainda mais ameaçador, porque um apoia o outro.

No Brasil, a imprensa e os repórteres individualmente têm sido alvo de ataques de políticos de diferentes correntes, a exemplo do que Trump faz. Como os Estados Unidos vêm lidando com os ataques do presidente à imprensa?

Não há precedente nos Estados Unidos de um presidente atacar a grande mídia como a inimiga do povo americano. Esse tipo de linguagem parece mais a Itália de Mussolini ou a Alemanha de Hitler. Não é um linguajar que algum político americano tenha usado antes. Mas isso tudo está se mostrando pouco efetivo, porque a grande mídia está ganhando assinantes por estar sendo objeto de ataque por parte de Trump, que é muito impopular. A CNN, o “Washington Post” e o “New York Times” estão indo muito bem e eles não estão intimidados. Há o perigo que eles se tornem tão anti-Trump que isso possa dar força à narrativa de que eles fazem parte de uma conspiração. Temos que esperar e ver, porque, se Trump continuar presidente por muito tempo, essa situação pode mudar. Eu espero que não, porque a imprensa tem se mostrado uma instituição duradoura.

Um ministro do STF (Alexandre de Moraes) afirmou em entrevista ao GLOBO que o jornalista que publica um documento sigiloso está cometendo um crime. Como o senhor vê esse tipo de afirmação?

Jornalismo em geral é uma importante instituição de fiscalização em qualquer democracia. O jornalismo controla os poderosos e dá limite a seus poderes. A razão desse tipo de ataque populista é porque os populistas querem poder e jornalistas estão expondo as coisas erradas. Isso os enfraquece. Esses populistas fazem da imprensa o foco de suas hostilidades, com o objetivo de mobilizar suas bases para atacar a imprensa e desacreditá-la aos olhos das pessoas. Por isso vejo populistas como tão perigosos para a democracia, porque não podemos ter democracia sem a imprensa livre para ser um mecanismo de controle dos poderosos.

Fake news também já são um problema no Brasil. Como, a um ano das eleições nacionais, podemos criar mecanismos para lidar com o problema e evitar um prejuízo eleitoral semelhante ao que ocorreu nos Estados Unidos?

Esse é um tema novo e não acho que alguém saiba realmente como resolver. Os europeus estão tentando lidar com isso por meio da regulação, especialmente essa lei alemão que vai tentar criminalizar fake news. Muitas pessoas acham que isso é demais, porque as penas são tão pesadas que isso vai na verdade afetar a liberdade de expressão. Nos Estados Unidos, não poderíamos regular as fake news dessa maneira porque o país é muito polarizado e, se o próprio presidente é um que publica todas essas fake news, é difícil imaginar que o governo dele vá concordar com algum tipo de limite a isso. Então nos resta as plataformas de internet regularem por si só. Eu acredito que o Facebook foi o principal responsável porque ele é o menos transparente e eles tentaram negar que houvesse um problema. As plataformas precisarão ser obrigadas a ser mais responsáveis e a entender que elas simplesmente não podem vender anúncios para russos que estão tentando interferir nas eleições americanas. Um tipo de regulação que pode ser possível é obrigar a haver a transparência sobre dinheiro estrangeiro que vá para uma campanha eleitoral. Nos Estados Unidos, isso é ilegal nas campanhas de televisão, mas, até agora, não é ilegal na campanha digital. Não é muito difícil mudar a lei para incluir a internet.

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O senhor vê os gigantes digitais, como Facebook, Google, Apple e Amazon, como uma verdadeira ameaça à democracia ou vê nessa crítica um exagero?

Toda companhia muito grande que tenha um monopólio virtual em sua área, como é o caso do Facebook, é um problema. Até agora, as pessoas confiaram no Facebook porque elas entendem que é uma empresa lucrativa. Se eles colocarem as visões políticas deles na plataforma, isso vai incomodar muitos de seus usuários e vai prejudicar os lucros da empresa. Você tem essa indústria imensamente concentrada não só nos Estados Unidos, mas em todo o mundo. Há países em que as pessoas só se comunicam na internet usando Facebook. É muito poder para dar a uma única empresa. Em geral eu sou sempre a favor de algum tipo de medidas antitruste para tentar limitar o tamanho dessas empresas e possivelmente dividí-las. Eu entendo que é difícil fazer isso porque o tipo de rede social que é o Facebook não é algo que você possa dividir em diferentes partes. Mas eles estão sempre comprando start-ups que os ameaçam. Para evitar a competição, eles compram os concorrentes e isso certamente é algo que o governo, se quiser, pode frear.

O ataque terrorista da semana passada em Manhattan pode mudar a política antiterror dos Estados Unidos?

Não acredito que o ataque por si só vá ter tanto efeito. O que eu me preocuparia mais é um ataque de grandes proporções, com armas biológicas ou químicas ou alguma coisa muito espetacular, na escala do 11 de setembro. Porque eu acredito que os Estados Unidos na verdade reagiram ao 11 de setembro de maneira muito moderada dentro de casa. Nós não começamos a correr atrás de muçulmanos e a colocá-los em campos de concentração e esse tipo de coisa. Mas agora você tem um presidente e um bando de seguidores que estão dispostos a fazer coisas assim. Então, acredito que, se houve um ataque mais grave, pode ser muito perigoso para as liberdades individuais nos Estados Unidos.

O que o senhor diria para os que estão pessimistas com o futuro da democracia no mundo?

Já tivemos outros períodos ruins, obviamente os anos 1930 e depois nos anos 1970, quando havia mu
ito descontentamento com a vida nas sociedades democráticas. Mas as democracias ajustaram suas políticas e elas conseguiram superar esses momentos de crise, e eu suspeito que vamos fazer o mesmo agora.

Francis Fukuyama, cientista político norte-americano no Teatro Cetip-Complexo Ohtake Cultural - Greg Salibian / Agência O Globo

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